XX – Domingo Comum
“Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra?”
Jesus diz cada coisa! Será mesmo que veio trazer o fogo à terra e que em vez da paz veio trazer a divisão? Estará mesmo a pensar e a sentir o que diz? Que quererá ensinar-nos com as suas palavras? Como em tantas outras ocasiões, Jesus usa uma linguagem hiperbólica e provocadora. Uma linguagem que, como sempre, devemos tomar a sério, mas não à letra.
A missão de Jesus, a razão de ser da sua vinda ao nosso mundo é precisamente a de reconciliar os homens com Deus e estabelecer a paz na terra. Jesus veio para unir e congregar todos aqueles que andavam afastados e dispersos. Já o profeta Isaías, ao referir-se ao Messias, apresenta-O como o “Príncipe da paz” (Is 6,5). Na noite do seu nascimento, os anjos proclamam o início de um tempo de paz na terra para os homens amados por Deus (Lc 2,14). A paz é a grande herança que Jesus deixa aos seus discípulos: “Deixo-vos a minha paz; dou-vos a minha paz” (Jo 14,27). E a unidade entre aqueles que hão de acreditar no seu nome constitui a grande preocupação de Jesus e o principal pedido que dirige ao Pai na sua oração final: “que sejam um como Nós somos Um” (Jo 17,22).
Não restam dúvidas: o que Jesus pretende, o que ensina e tudo o que faz têm em vista a unidade e a paz. Então, o que o leva a afirmar que veio trazer a desunião, desunião que atingirá até as famílias? Ao revelar a verdade e ao testemunhar o amor de Deus, Jesus exige uma mudança radical na vida do homem. Desde logo, um novo entendimento de Deus e do modo como o homem se deve relacionar com Ele. Depois, um novo entendimento do próprio homem, da sua dignidade e dos seus direitos, do seu lugar na sociedade. Mais, Ele anuncia e propõe um mundo novo, construído na base da verdade da justiça e do amor, com autenticidade, transparência e coerência de vida.
A novidade de Jesus exige a conversão do homem, a conversão da sua mente, do seu coração e da sua vontade. A conversão, na medida em que implica renúncia ao que sempre considerámos como verdade inquestionável ou àquilo que nos garante a nossa comodidade e segurança humana, é muito difícil. E quem não tem coragem de mudar, de renunciar a si mesmo, passa para o contra, faz crer que Jesus está errado, entra em confronto com Ele e com aqueles que O seguem. E esta oposição tornar-se violenta, tanto em relação a Jesus como aos seus discípulos.
Os conflitos familiares, referidos por Jesus, explicam-se pelo seguinte. Numa família pode haver alguém que adere a Jesus, que se sente conquistado por Ele e disposto a segui-l’O. E pode acontecer que outros membros da mesma família permaneçam indiferentes a Jesus ou mesmo O considerem como uma ameaça. Nestes casos, se falta o espírito de tolerância, o que é tão frequente, as relações familiares e a própria família podem ser irremediavelmente abaladas ou até destruídas. Por outras palavras, os que optam por Jesus podem ser odiados pelos seus pais, filhos e irmãos e excluídos das suas famílias.
Neste sentido, Jesus traz a desunião. Não uma desunião querida, muito menos promovida. Uma desunião provocada e alimentada por aqueles que não suportam os desafios da sua verdade e do seu amor.
“Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra?” Nós pensamos e acreditamos que Jesus veio estabelecer a paz na terra. O Reino de Deus, que Ele anunciou e trouxe ao mundo dos homens, é um reino de paz. E aqueles que O seguem têm como principal missão construir a paz. As bem-aventuranças, que constituem o programa da vida cristã e da construção do Reino de Deus, deixam bem claro que só são e merecem ser chamados filhos de Deus os que se empenham na edificação da paz. Além disso, Jesus sintetiza a lei de Deus no mandamento do amor, sublinhando o amor ao próximo e estendendo-o aos inimigos. Ora, o amor aos inimigos, que vence todas as diferenças e divergências, todas as ofensas e formas de violência, é o segredo da paz. Quem prega e exige o amor aos inimigos só pode procurar a paz como bem supremo e mais necessário à vida dos homens na terra.
Jesus quer a paz, é o que mais deseja, mas não uma paz a qualquer preço. Ela exige justiça, fraternidade, o respeito pelos outros … Se não fazemos a nossa parte, retardamos a concretização do sonho de Deus e o pleno cumprimento da missão de Jesus. A paz só se torna efectiva com a nossa colaboração, se deixarmos que Jesus seja realmente a nossa paz.
Pe. José Manuel Martins de Almeida