XXI – Domingo Comum
“Senhor, são poucos os que se salvam?”
Quem faz esta pergunta revela que acredita na salvação de Deus. Porém, teme que seja extremamente difícil alcançá-la e que, por isso mesmo, não sejam muitos os que realmente se salvam. Ele tem diante de si as exigências feitas pelos escribas e fariseus, as inúmeras leis e tradições religiosas criadas e impostas por eles. O seu temor resulta da dúvida que o assalta sobre se é ou não necessário cumprir todas essas leis e tradições. No caso de elas serem efectivamente um requisito obrigatório para a salvação, esta tornar-se-á impossível para a maior parte das pessoas.
Dirigindo-lhe esta pergunta, ele quer saber o que pensa Jesus sobre este assunto; quer saber quais são efectivamente as exigências de Deus, se são as mesmas dos fariseus e dos escribas ou se são outras, mais humanas e mais divinas, mais ajustadas à dignidade do homem e mais reveladoras da bondade, do amor e da justiça de Deus.
Num primeiro momento, aquele homem deve ter ficado desapontado com a resposta de Jesus: “esforçai-vos por entrar pela porta estreita”. Com esta imagem da porta estreita, Jesus parece confirmar a dificuldade da salvação e o receio de que são poucos os que se salvam. No entanto, Jesus garante que a salvação é uma possibilidade para todos os homens da terra: “Hão-de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa do Reino de Deus”. Na verdade, como confirmará mais tarde São Paulo, “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”. O Deus que é Deus de todos os homens não pode deixar de querer a salvação de todos eles.
Então, como entender a resposta de Jesus? Deus quer que todos os homens se salvem, mas para que a salvação aconteça na vida dos homens é necessário que cada um queira sinceramente salvar-se, dispondo-se a percorrer o caminho revelado e proposto por Cristo, disposto a passar pela porta estreita.
Qual é esta porta pela qual devemos passar e que dá acesso à salvação? No discurso sobre o Bom Pastor, Jesus dá-nos a resposta: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo”(Jo 10,9). Acreditar em Jesus como o Salvador e aceitar a Boa Nova como programa de vida constituem o meio e o caminho que conduzem o homem até Deus. Jesus confirma isso mesmo quando, numa outra ocasião, diz a Tomé: “ Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim”( Jo 14,6).
Em diversas situações, Jesus concretiza os requisitos da salvação. Quando um jovem lhe pergunta: “que hei-de fazer de bom para ter a vida eterna?”, Jesus responde: “se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos”(Mt 19,16.17).Por sua vez, no Sermão da Montanha, Jesus apresenta as Bem-aventuranças como o programa de vida que garante aos cristãos a herança e a posse do Reino de Deus. E na descrição do Juízo final, diz-nos que só se sentam à direita de Deus e só recebem como herança o Reino dos Céus aqueles que vivem na terra as obras de misericórdia (Mt 25, 31ss). Os mandamentos, as bem-aventuranças e as obras de misericórdia, são a proposta de Jesus para aqueles que n’Ele acreditam e desejam de verdade alcançar a vida eterna.
Devemos admitir que não é uma tarefa fácil. Compreendemos que Jesus fale da porta estreita que conduz à salvação. Não é fácil amar sempre e amar a todos; não é fácil dizer e defender sempre a verdade; não é fácil praticar e lutar sempre pela justiça; não é fácil viver e ser sempre construtor da paz; não é fácil reconhecer os nossos pecados e perdoar sempre a quem nos ofende; numa palavra, não é fácil viver e promover os valores do Reino de Deus e empenhar-se, com perseverança e espírito de sacrifício, na construção do mesmo.
Não é fácil, mas está ao alcance de todos. Só ficam excluídos aqueles que, de modo consciente, se recusam a acreditar na vida para além da morte e aqueles que, embora acreditando, não aceitam seguir pelo caminho proposto por Jesus.
Se são muitos ou se são poucos os que se salvam, não depende de Deus mas dos homens. É certo que só Deus pode salvar. Só Cristo tornou possível a salvação dos homens. Mas como Deus respeita a liberdade do homem, as suas opções e decisões existenciais, a salvação só acontece naqueles que se abrem ao dom de Deus e deixam que Ele os salve. Não é Deus que condena o homem, mas é o homem que se condena ao recusar Deus. Como vemos na parábola dos dois filhos, não é o pai que condena o filho mais velho a ficar do lado de fora, mas é o filho que, não compreendendo o amor do pai, recusa tomar parte na festa. Felizes, pois, aqueles que aderem ao convite do Senhor!
Pe. José Manuel Martins de Almeida