XXVI – Domingo Comum
“Morreu também o rico …”
Quem pensa só em si mesmo e como desfrutar ao máximo a sua vida e os seus bens, não consegue ver os outros, muito menos as suas necessidades, menos ainda sentir compaixão por eles. Além disso, esquece que há-de morrer e não acredita ou não se preocupa com a vida eterna, acabando por deitar tudo a perder.
O rico da parábola pensa apenas em gozar a sua vida: vestia bem e comia melhor. A riqueza torna-o cego e insensível, ignora por completo Lázaro, um homem pobre e doente, que está todos os dias à porta da sua casa. O rico não vê Lázaro, ou melhor, não consegue ver nele um irmão a quem amar, a quem acolher na sua casa, com quem partilhar um pouco dos seus bens.
Este homem rico situa-se na linha dos ricos da Samaria, denunciados e condenados com veemência pelo profeta Amós (Primeira leitura). A riqueza que acumularam sem justiça gastam-na em seu exclusivo proveito pessoal, indiferentes à sorte dos pobres, que eles próprios tornaram pobres e condenaram a viver na miséria. Comem, bebem, cantam, perfumam-se, gozam a vida, entregando-se a toda a espécie de prazeres, sem se afligirem com “a ruína de José”, isto é, sem se preocuparem com os seus cidadãos e o futuro do povo.
Convencidos de que a sua vida depende apenas dos bens que possuem e de que esses bens lhes garantem uma felicidade completa e duradoura, esquecem Deus, asfixiam a sua dimensão espiritual e não reconhecem nem respeitam os direitos do seu semelhante. Pensando e procedendo assim, não só se iludem como cavam a própria ruína e a do povo: “partirão para o exílio à frente dos deportados”. A vida luxuosa e de luxúria, com todo o tipo de injustiças e imoralidades que encerra, leva à decadência dos indivíduos e dos povos. E, pior ainda, leva à morte eterna.
“Morreu também o rico …” O rico, ainda que possua o mundo inteiro, não pode comprar a vida nem adiar indefinidamente a morte. Também não pode pagar a um bom advogado que o defenda diante de Deus nem pode comprar um lugar no Céu. Mais, depois da morte, já nada há a fazer, nada se pode mudar. O estar no Céu (ao lado de Abraão) ou permanecer na mansão dos mortos, o lugar dos tormentos, é para sempre. Não podemos fazer depois da morte nem esperar que alguém faça por nós o que nós e só nós devemos fazer durante a vida neste mundo.
O homem rico, se tivesse amado e socorrido Lázaro e tantos outros que como Lázaro necessitavam e tinham direito a parte dos seus bens, estaria com ele junto de Deus. Agora, já nada nem ninguém lhe pode valer. Como um administrador desonesto, desperdiçou a sua vida e esbanjou os seus bens. Não souber acautelar o seu futuro, arranjando amigos com o vil dinheiro, amigos que o poderiam defender, dando testemunho em seu favor na presença de Deus. É no presente do tempo, o tempo que nos é dado viver neste mundo, que se decida a eternidade do nosso futuro!
“Morreu também o rico …” O homem rico dá conta que a riqueza não lhe valeu de nada. Pelo contrário, foi a causa desta sua tão grande desgraça. Não pode mais sair daquele lugar de tormento. Então, pensa nos irmãos e no que fazer para que eles não venham parar a esse mesmo lugar. Considera que a ida de Lázaro à sua casa paterna, ou seja, a intervenção e o testemunho de um morto junto dos irmãos será o único meio capaz de produzir neles o arrependimento, a mudança de vida.
Abraão não concorda, diz-lhe que isso não será suficiente, pois eles têm rejeitado algo de muito mais importante e credível: Moisés e os profetas. Se para acreditarem e se converterem não é suficiente o que Deus tem feito na história em favor do povo: a sua presença e intervenções, a sua palavra e obras, o seu amor e misericórdia, muito menos se deixarão impressionar e convencer “mesmo que alguém ressuscite dos mortos”.
São muitos, mesmo entre os baptizados, os que no nosso tempo continuam a justificar a sua descrença na vida para além da morte, argumentando que nunca ninguém voltou do outro mundo a dizer o que se passa lá. Hoje, Abraão diz-nos, actualizando a parábola: tendes Jesus Cristo, escutai-O. Sim, nós temos Cristo e Ele basta-nos: Ele que nos mostrou, de um modo tão concreto e admirável, o coração misericordioso de Deus; Ele que nos amou ao ponto de dar a sua vida por nós; Ele que venceu a morte com a sua ressurreição. Se Ele não nos move à fé e ao arrependimento, que outra coisa ou que milagre o poderá fazer?
Pe. José Manuel Martins de Almeida