XXVII – Domingo Comum
“E os dois serão uma só carne”
Os fariseus, uma vez mais, polemizam com Jesus, querendo saber qual é a sua opinião sobre o divórcio. Para defenderem o divórcio, eles apoiam-se numa lei de Moisés, registada no livro do Deuteronómio: «Quando um homem tomar uma mulher e a desposar, se depois ela deixar de lhe agradar, por ter descoberto nela algo de vergonhoso, escrever-lhe-á um documento de divórcio, entregar-lho-á em mão e despedi-la-á de sua casa” (Dt 24,1). Se Moisés deu esta lei, se esta lei faz parte da Escritura, se a Escritura é sagrada, então o divórcio é legitimo e permitido por Deus, pensam e argumentam eles.
Jesus, sem pôr em causa a origem da lei, argumenta que Moisés permitiu o divócio não por o aprovar ou para que passasse a ser considerado como um direito, mas por causa da dureza do coração do homem, o coração do homem ainda não estava à altura de um amor autêntico e estável.
A lei de Moisés sobre o divórcio faz, efectivamente, partre da Escritura Sagrada. Porém, não podemos esquecer que Deus se revelou lenta e progressivamente, condicionado pelas limitações dos homens. Por isso mesmo, como a própria Igreja reconhece, no Antigo Testamente encontramos coisas “imperfeitas e transitórias” (DV 15). Elas foram toleradas numa determinada etapa da humanidade, mas a meta sempre foi algo de mais perfeito e permanente. Isso também se aplica ao casamento e à família.
A autorização de divórcio, dada por Moisés, não invalida, pois, os desígnios de Deus sobre o casamento. O que Deus quis “no princípio da criação”, continua a ser ainda o que Deus quer e, por isso mesmo, mantém toda a sua validade. É à luz do texto do Génesis (2,18-24), que Jesus cita e nós lemos na primeira leitura, que descobrimos o plano de Deus e como os homens devem entender e viver o casamento.
“Não é bom que o homem esteja só”. Deus tem mesmo razão! Não podíamos estar mais de acordo com Ele! Deus, porque é amor, sonhou e quis o homem como família. Coerente como é, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (Gen 1,26). Deus é uma família!
Na verdade, sozinho e sem amor, sem alguém a quem amar e que o ame, o homem sente-se incompleto e infeliz. Inquieto e insatisfeito, o homem procura, por todo o lado e entre todos os seres vivos, a parte que lhe falta. E só sossega quando encontra alguém que lhe é verdadeiramente semelhante e, ao mesmo tempo, contém a diferença que o completa.
O homem descobre a razão de ser da sua vida e experimenta a alegria de viver, quando encontra alguém que é osso dos seus ossos e carne da sua carne. A esse ser, o homem chama mulher. O homem sente tal fascínio pela mulher (e o contrário vale de igual modo), o homem sente tão intensamente que não pode viver sem ela (e o mesmo experimenta a mulher em relação a ele), é tão extraordinário o amor que sentem um pelo outro que decidem viver um com o outro, ou melhor, viver um para o outro, unindo-se de tal modo que passam a ser uma só carne. Por outras palavras, dão origem a uma nova família.
O homem e a mulher só são felizes e só se realizam como pessoas numa relação de amor. E o amor conjugal é a primeira e originária forma de amor humano. De facto, só depois podem surgir as outras formas de amor: o amor paterno, o amor filial, o amor fraterno… O amor conjugal é também o amor mais radical. Com efeito, o homem e a mulher deixam o pai e a mãe, para viverem o amor entre eles, dando lugar a um novo mundo de relações, de sonhos e projectos existenciais. O amor conjugal é mais forte do que o amor aos próprios pais!
Um amor assim, tão radical e tão intenso, é necessariamente um amor para sempre! Como podemos concluir da primeira leitura, o casamento pressupõe uma procura intensa e recíproca, o reconhecimento da dignidade do outro e uma total entrega a ele. O casamento só deve acontecer quando os dois sentem que não podem viver um sem o outro e sem viver um para o outro; quando o amor os leva a sonhar um projecto de vida comum, sem limites de entrega e de tempo.
A indissolbilidade do matrimónio não é uma lei que se impõe desde fora, mas trata-se de uma exigência intrínseca ao verdadeiro amor. Não é uma obrigação imposta pela Igreja. É uma exigência do amor!
Pe. José Manuel Martins de Almeida