1. Iniciámos a Quaresma na passada Quarta–Feira, com a celebração das cinzas. Nestes quarenta dias de preparação para a Páscoa, queremos, de verdade, viver o tempo favorável, a grande oportunidade de salvação que o Senhor nos oferece. Eles são, de facto, uma caminhada sobretudo em direcção à Noite Pascal, em que somos convidados a renovar os nossos compromissos baptismais.
O Santo Padre Bento XVI, na sua mensagem para a Quaresma, convida-nos a fazer com que, na nossa vida pessoal e comunitária, a Fé possa desabrochar em obras de caridade. Pela Fé nós como que subimos ao monte para abrir o coração a Deus e nos deixarmos encher com o Seu Amor; mas logo somos convidados a descer para oferecer aos irmãos este mesmo Amor de Deus, em gestos de caridade. Sendo assim, fica conjugada na nossa vida a acção, que nos leva ao encontro com os irmãos e a contemplação do mistério de Deus, sendo a nossa vida sempre definida por estas duas linhas e a primeira garantia da segunda – a vertical que nos põe em comunhão com Deus e a horizontal que nos coloca na comunhão dos irmãos.
Vamos viver esta quaresma em ano da Fé. E queremos aproveitá-la bem para redescobrirmos todas as dimensões da nossa Fé e como ela dá novo sentido e novo sabor tanto à vida pessoal como à vida em sociedade.
2. S. Paulo propõe-nos hoje uma meditação sobre a Fé, na carta aos Romanos que acabámos de escutar. A Fé, que nasce da Palavra de Deus, começa por nos transformar interiormente, a partir do coração. Desenvolve-se depois naquilo que chamamos Fé confessada, não só com palavras, mas sobretudo nos nossos comportamentos. E é ao confessarmos, como diz Paulo, a Fé em Jesus, que nós nos sentimos de verdade salvos. Portanto, a nossa Fé que começa geralmente com um acto de confiança na Pessoa de Jesus, desenvolve-se a seguir no conhecimento aprofundado do mesmo Jesus Cristo e da mensagem evangélica resumido nos artigos do Credo, ou Fé confessada. Depois leva-nos a celebrar a gratuidade do amor de Deus que vem aos nosso encontro na Igreja e particularmente através dos sacramentos e temos a Fé celebrada. Preenche toda a nossa vida que há-de ser vivida em atitude permanente de oração, inspirada no modelo do Pai-Nosso. E temos a Fé rezada. Finalmente comanda todas as nossas decisões e comportamentos e temos a fé vivida. Estas são as 4 dimensões da Fé que o catecismo da Igreja Católica trata em 4 capítulos distintos. Sobre eles havemos de procurar fazer também, ao longo desta quaresma, a nossa revisão de vida.
3. A Quaresma pretende ajudar-nos a colocar , de novo Deus no centro da nossa vida, objectivo que também tem o ano da Fé. Sabendo nós que hoje vivemos inseridos num mundo e numa cultura que nos desviam, muitas vezes, do essencial e nos procuram incutir só a preocupação pelo que é secundário, este tempo forte é convite à conversão ou seja mudança de orientação da nossa vida.
Também Jesus foi tentado a desviar-se desta centralidade de Deus na Sua vida. O quadro das tentações de Jesus, segundo o Evangelho que acabámos de ler, representa também as nossas tentações, a saber, a tentação ter, a tentação do poder e a tentação da facilidade ou da cedência ao prazer. Jesus recusa-as em nome da centralidade de Deus na sua vida. E certamente que não as recusou uma só vez, pois o texto evangélico diz que o diabo se afastou até outra ocasião, portanto voltou para o tentar de novo, como acontece com cada um de nós. As tentações não são acontecimentos pontuais, mas preenchem toda a nossa vida, como aconteceu com Jesus. A preocupação por colocar Deus no centro da vida pessoal e mesmo comunitária vem-nos já do Antigo testamento, da experiência do Povo eleito, como recorda a oração que hoje nos apresenta o Livro do Deuteronómio. O bom judeu lembra constantemente que Deus acompanha permanentemente o povo e cada um dos seus membros e lembra sobretudo as maravilhas desta sua presença acontecidas no passado e com a certeza de que elas se repetem no presente.
4. Convido agora, quando estamos ainda no início da Quaresma, cada um a fazer o seu programa de vida quaresmal, se possível dialogado em família. E que esse programa se possa inspirar na pedagogia recomendada pela sabedoria milenar da Igreja e envolva, por isso:
* Tempos de oração mais intensa, com paragem diante de Deus e da sua Palavra;
* a preocupação do jejum, demonstrando, assim, a nós mesmos que não vivemos para comer, mas comemos para viver
*Respeito pela recomendação da esmola, que interpretamos como obrigação de partilhar também os bens materiais com os irmãos. Desta forma reconhecemos que não somos donos de nada, mas só administradores.
Convido, para terminar, à celebração do Sacramento da Penitência ou da Confissão, experimentando, assim, a maravilhosa consolação do perdão de Deus, que Cristo põe à nossa disposição neste sacramento.
17.02.2013
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda